Aposentos de Hades

A disposição de móveis é quase idêntica a dos Aposentos de Perséfone, apenas diferenciando os adornos e as cores. Quase não há adornos e existe somente o preto e o branco. Não há velas, castiçais ou candelabros em seus aposentos, permanecendo na escuridão o tempo inteiro.

Um móvel que não possui no dela é uma estante de livros que fica no lugar onde deveria ser a penteadeira. Sempre um pouco antes de dormir ou quando quer desviar os pensamentos de seus problemas por algum tempo, ele lê algum dos títulos ali dispostos.

Depois de fechar a porta, voltou os olhos para o seu quarto, em especial para uma única flor que colocou dentro de um vidro para que permanecesse intacta, mesmo com o passar dos anos. Esta repousava sobre a cabeceira de sua cama, solitária. Aproximou-se do Narciso usado para atrair sua amada Perséfone até a armadilha e mantê-la cativa em seus domínios.

Sentou-se no leito e, ao lado do receptáculo de vidro, depositou o lenço que tinha entregado a Perséfone, ainda úmido das lágrimas recentes que tinha enxugado. Dobrou-o metodicamente, como uma lembrança que suas mãos poderiam torná-la feliz. Havia esperança.

Logo depois, deitou-se para descansar.

Realizado.

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Dormia tranquilamente em sua cama. Tinha dormido tão rápido que o normal tempo que se permitia pensar e raciocinar lhe fora negado completamente e afundou na escuridão, aquecido com a sensação de sua primeira realização genuína em busca do amor de Perséfone.

Porém, o calor aconchegante da presença de seu adorado tesouro afastou-se. O frio gelado da solidão o assolou a ponto de acordá-lo. Não era preciso realmente ir no aposento ao lado para saber que Perséfone havia fugido.

Ainda, para ter certeza, desmaterializou-se através das sombras e, no quarto de Perséfone, reapareceu. A cama estava desfeita e uma das velas faltava em sua cômoda e houve dois sentimentos distintos, num embate sem igual dentro de si. A fúria, pela insolência dela, e a preocupação, pelos perigos que enfrentaria em sua busca pela liberdade.

Novamente, com um rodopio elegante da capa, desmaterializou-se para a porta de seu castelo.

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Já estava tarde e precisaria dormir. Confiava que sua Sombra Viva fizesse o possível para mantê-la segura de acidentes ou loucuras estando com a saúde tão debilitada...

Porque me preocupo?, pensou com um ligeiro mau-humor. Ela morrerá. Mantê-la segura ou não, não fará diferença.

Tentou, pelo dia inteiro, ser racional e fingir ignorá-la totalmente. Como se não houvesse outra presença em seu castelo. Não conseguiu, hora ou outra seus pensamentos voavam preocupados para ela, ou se aconchegava no calor que pulsava as paredes de seu castelo pela presença de sua amada Perséfone. Maldição!

Adentrou o quarto em silêncio e com bastante esmero, pois não queria estragar o que era dele e se voltou para a cama, ainda de mau-humor por ser tão... imbecil? Idiota? Ignorante? Não sabia definir seus atos... racionalmente, não haveria motivo de se preocupar por alguém condenado, mas com Perséfone era diferente. Sempre.

Suspirou, caminhando de modo automático para a cabeceira da cama, quando percebeu algo errado. Primeiro, que havia algo lhe impedindo de ver seu precioso Narciso. Depois, ao constatar ser sua Sombra Viva, virou-se para a cama, vendo que ela dormia profundamente quase caindo da beirada da cama, assustando-o.

- Mas o que...? - murmurou, sem entender. Ele sabia perfeitamente cada cômodo que existia naquele castelo, não poderia ter errado.

Desfez a Sombra Viva e viu que o Narciso estava lá, onde havia deixado, o pano ao lado, dobrado metodicamente. O que tinha acontecido? Porque ela pedira para que a sua sombra trouxesse ao seu quarto para dormir? Não havia nenhuma explicação, apenas o corpo frágil deitado sobre o leito e dormindo profundamente.

Pensou em deixá-la no quarto dela, mas temeu acordá-la se o fizesse, sendo que não sabia como ela tinha parado ali. Suspirou... só sobraria ter de dividir a cama com ela, por uma noite. Apenas uma noite.

Dando a volta, deitou-se do outro lado, o mais longe possível. Não posso me apegar, não posso, repetia em sua mente, enquanto se cobria e mantinha-se de costas para ela.

Dormia pesadamente. Cansada demais para abrir os olhos mesmo quando sentiu a cama se mexer. Talvez estivesse sonhando...de novo. Como sempre sonhava. Que sua mãe vinha lhe contar lindas histórias antes de colocá-la para dormir e que ficava ao seu lado, lhe acariciando os cabelos até que o sono lhe tomasse por inteiro. Ah, como aquela sensação era boa. Quente.

Esticou os braços e sentiu o corpo de alguém junto ao seu.

-Mamãe... - aproximou o corpo do que imaginava ser de sua mãe. - ...não me abandone...-choramingou enquanto escondia o rosto de encontro a suas costas. - ...por favor...- suspirou e se entregou novamente aos sonhos.

Tudo era lindo ali. Na sua cabeça. Onde o Sol e seus irmãos a cercavam. Ah...sonhos...provavelmente logo ficaria ali pra sempre.

Sentiu um arrepio quando as mãos dela lhe tocaram as costas e os dedos se fecharam em seu manto. Uma onda de calor emanou daquele simples ato, lhe pegando o corpo inteiro.

- Mamãe... - ela chamou e, imaginou, aquela sensação não poderia intensificar. O que mais ela poderia fazer?

Descobriu que podia, intensificar e muito. Dois instantes depois de seu chamado, ela decidira migrar seu frágil corpo, por inteiro, até onde estava e grudá-lo a suas costas. Podia sentir os braços mirrados procurando o seu calor, os quadris que só se poderia sentir os ossos e as pernas fracas.

- ... não me abandone... - choramingou ainda dormindo, escondendo o rosto em suas costas - ... por favor... - pediu em súplica e, depois, calou-se.

Poderia se desmaterializar e ficar do outro lado, mas não conseguia. A sensação dela grudada ao seu corpo voluntariamente era novo, gostoso e quente. Não do jeito que conhecia, era mais ameno e aconchegante... algo inexplicavelmente melhor. Fechou os olhos, degustando da sensação de ser procurado, de ser querido. Por uma noite.

Acordou no quarto de Hades...de novo. Fazia cinco noites que acordava ali. Sozinha e nada descansada.

A sombra dele teimava em lhe trazer para aquele aposento toda a vez que caia no sono entre as flores de seu, cada vez mais, precioso jardim.

Perséfone tinha certeza de que Hades passava as noites com ela, porque, depois do susto inicial ao acordar deitada entre os braços dele, sempre o percebia durante a noite, a aconchegando e afastando seus pesadelos. Mas as manhãs eram sempre vazias. Além da falta do sol e dos pássaros anunciando o novo dia, Hades nunca ficava na cama até ela acordar. O que a fazia se perguntar se não era tudo fruto da sua imaginação atrás de companhia e aconchego.

Tomou folego para se levantar e percebeu que já não conseguia fazer, nem mesmo, algo tão simples.

Levantou os olhos, devagar, até a cabeceira da cama ao seu lado. Em seu quarto, guardava uma rosa negra. Aqui, no quarto de Hades, no mesmo lugar onde Perséfone tinha seu pequeno companheiro, havia um pequeno narciso branco. Lindo, delicado e meigo. Totalmente deslocado do resto do comodo.

Suspirou cansada e desviou os olhos para a Sombra Viva que a acompanhava a quase uma semana. Não precisou verbalizar o que precisava. Como se lesse sua mente, a Sombra se aproximou e a pegou no colo. Levando-lhe para onde queria. Para perto de Hades. Era infernalmente perturbador ficar sozinha e com a morte tão próxima, tudo que menos precisava era deprimir também.

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Assim que a deixou deitada no leito, no quarto ao lado, desdobrou as mangas de sua camisa e pegou novamente seu Manto Negro deixado no banheiro. Ela dormia tranquilamente, enquanto, daquela vez, fazia questão de apagar vela por vela, apenas para poder ficar mais tempo em seu quarto e observá-la com o canto dos olhos a repousar serenamente.

Logo que apagou a última vela, foi até o próprio quarto e deitou-se em sua cama, insone. Pegou um livro na gaveta da cabeceira de sua cama para ler e tentar distrair a mente dos ocorridos daquele dia, ainda que percebeu estar totalmente desconcentrado ao lembrar das cenas dos minutos anteriores.

O que faria para distrair a mente daquelas imagens!?

Acordou algum tempo depois com o travesseiro gelado.

Poxa, quem tinha molhado seu travesseiro??

O jogou longe e puxou outro sem nem ao menos abrir os olhos. Mas ao se deitar percebeu que não era o travesseiro que estava molhado e sim seus cabelos. Mas...não se lembrava de ter tomado banho. Olhou para o próprio corpo e percebeu que vestia seu pijama ao invés da roupa suja que estava fazendo a faxina mais cedo, mas não deu importância imaginando que a Sobra de Hades tivesse lhe banhado e colocado na cama.

Se virou na cama, resmungando, ainda sonolenta e abriu os olhos. Piscou uma. Duas vezes e continuou a não enxergar nada.

Oh não, onde estava a vela que sempre deixava acessa?

Se encolheu de medo.

-Sombra...sombra..? -chamou baixinho, mas ela não apareceu. - Sombraaa...por favor...-insistiu choramingando.

Ahh, droga, droga, droga!

Tinha medo do escuro. Muito medo, desde....desde sempre. E não queria dormir ali. Sozinha. Não mesmo.

Se levantou devagar, pé ante pé e foi, as cegas, até a porta que Hades tinha dito que ligava ao quarto dele. Nunca a tinha usado e estava receosa de o fazer agora. E se ele estivesse dormindo? Se estivesse com alguém...? Mas ela não queria ficar sozinha. Estava com medo. Que pelo menos ele invocasse a Sombra pra ficar com ela.

-Hades...? - abriu a porta devagar e colocou a cabeça pela abertura, sem enxergar nada do mesmo jeito. - Hades...? - chamou mais uma vez. Será que estava dormindo?

O sono continuava muito longe, enquanto as sensações vivas da pele sedosa continuavam impressas em suas mãos, a respiração quente e regular ainda parecia fazer um leve eriçar de seus pelos na curva do pescoço e a imagem de suas expressões serenas durante a inconsciência não queriam desaparecer de sua mente.

A imagem e as sensações eram tão reais, que parecia ainda possuí-la em seus braços, pensava aos suspiros, novamente perdendo-se na leitura. Quando aquilo iria amenizar o suficiente para dormir? Aquele livro estava se mostrando inteiramente inútil e não sabia acalmar aquele sentimento de possessividade e desejo que não fosse de um jeito: saciando-o.

E afinal, porque ainda não o fizera? Ela lhe pertencia e poderia fazer o que bem entendesse. Permanecia e usufrui de seu reino, do seu castelo e dos seus pertences. Desde antes de seu rapto seu objetivo era tomá-la como sua Rainha. No entanto, alguma coisa o impedia de tal intento.

Alguma coisa...

- Hades...? - ouviu a voz fraca e levantou os olhos das páginas para verificar a porta sendo aberta lentamente - Hades...? - ouviu-a novamente o chamando e, pelo visto, estava totalmente cega pela falta de luz e não o via ali, talvez a apenas dois metros de distância devido a escuridão que seu aposento permanecia em quase tempo integral por achar desnecessário. Só havia colocado luz ali nos dias anteriores pela presença dela.

- Entre, Perséfone. - falou no natural modo indiferente, retirando uma das mãos do livro para produzir um pequeno fogo na palma de sua mão e produzir uma certa iluminação suficiente para ela poder enxergar, talvez um tanto precariamente, o aposento.

Seus olhos focaram-se na sua figura por alguns instantes, antes de desviá-los para os próprios pés. Como tinha ordenado, ela abriu mais a porta e se prostrou no vão, com as mãos sobre o colo, ainda em silêncio.

- O que você quer? Deveria estar dormindo.

- Entre, Perséfone. - ouviu a voz dele, vinda de um canto do quarto. De onde estava, não enxergava nada, nem mesmo um palmo na frente do rosto.

Tudo ali era tão escuro - choramingou mentalmente.

Ele mantinha o mesmo tom de voz de sempre, natural, indiferente o que não lhe permitia dizer se ele tinha se ofendido com a sua intromissão. Com movimento de mão, que mal sabia como tinha percebido, produziu um pequeno fogo na palma de sua mão que lhe permitia enxergar, precariamente, o aposento.

Procurou da onde vinha a voz e encontrou um vulto, iluminado pela luz azulada, deitado relaxadamente sobre a cama. Ela não deveria estar ali. Estava incomodando. Tinha certeza. Mas agora, não tinha coragem de voltar. Desviou os olhos para os próprios pés. E como ele tinha ordenado, abriu mais a porta e se prostrou no vão, com as mãos sobre o colo, ainda em silêncio.

- O que você quer? Deveria estar dormindo.

- N-não co-consigo. -abaixou os olhos infantilmente e uniu as mãos sobre o peito, numa tentativa de defesa inútil.

Frágil, indefesa. Os braços grudavam-se às curvas de sua cintura, as mãos repousavam sobre o peito de modo protetor e isso não ajudou em nada seu instinto predatório a amenizar. Sua mente já visualizava com riqueza de detalhes o que poderia fazer com aquele pequenino corpo...

Fechou o livro com brusquidão com a mão livre, interrompendo seus pensamentos impuros. Ela não conseguia dormir, obrigou-se a focar neste pensamento. Uma pequena batalha interna se fez, enquanto decidia o que era mais prudente fazer.

Apesar de se sentir realizado de ser procurado no meio da noite, deixá-la dormir ali naquele dia, com seus desejos a flor da pele, não era o ato mais prudente que faria na sua eternidade. Mandá-la para o quarto novamente era um ato racionalmente mais adequado a situação. O problema era não ser controlado pela racionalidade perto dela...

Todos esses pensamentos não duraram mais que meio segundo para serem processados.

- Deite-se. - fez o livro ser colocado na gaveta através das sombras e, com a mão livre, retirou a coberta logo ao seu lado do lugar e lhe convidar mudamente para se deitar ali. Era perceptível quem havia ganhado na sua batalha interna.

- Deite-se.

Oh graças aos Deuses!!! Ele não iria expulsá-la.

Suspirou aliviada e correu para perto da cama, sem se preocupar em pensar uma segunda vez sobre o assunto. Não dormiria sozinha no escuro. Isso era certeza!

Se sentou com um pulo e bateu os pequenos pés descalços, para tirar a sujeira, antes de se deitar onde ele tinha indicado. Se encolheu o máximo que conseguiu, esperando que ele a cobrisse e assim que o fez, levantou os olhos pra ele, esperando por algo mais...

No Olimpo quando dormia com seus irmãos ou com sua mãe, porque estava com medo demais para dormir sozinha, eles sempre conversavam até a exaustão. Lhe contavam histórias sobre suas viagens como Deuses Maiores ou seus romances com mortais. Nunca se limitavam apenas a dormir, o que fazia com que se esquecesse de seu medo num piscar de olhos e dormisse tranquilamente.

O que Hades teria a contar...?

Ela encolheu seu corpo contra o dele e sentiu os músculos se contraírem, contendo-os. Quase podia ouvir seus protestos unânimes por não lhe darem o que queria, ou seja, liberdade de fazer coisas pervertidas com ela. Ajeitou as cobertas por cima dela, metodicamente, percebendo que ela o observava de modo estranho.

Porém, não deu atenção, estava mais preocupado no método de conter aquela ardência instintiva do que em decifrar o que seus olhos pediam mudamente. Fechando a mão que mantinha a pequena chama acesa, o aposento escureceu novamente.

- Boa noite, pequena. - desejou, deitando-se logo em seguida, virado de costas para ela. Não sabia se conseguiria suportar um abraço direto sem acabar perdendo os limites impostos.

- Boa noite, pequena. - ele desfez a única fonte de luz do quarto e Perséfone se encolheu ainda mais com um gemidinho de medo.

Ele deitou-se virado de costas para ela e por mais que estivesse fazendo sua melhorar cara de choro, duvidava que alguém conseguisse enxergar alguma coisa naquela escuridão...especialmente de costas.

Sentia medo, por conta do escuro, e o coração apertado por ter sido ignorada. E tinha que admitir que estava um pouco entristecida com a reação dele. Tinha esperanças que lhe desse um pouco de sua atenção antes de dormir, que talvez falasse um pouco mais sobre sua vida ou que conversasse sobre seu dia. Suspirou. Hades era tão calado que nem se quisesse conseguiria entende-lo.

- Boa noite... -disse por fim, se encostando nas costas dele.

Fechou os olhos e pensou como as coisas eram engraçadas, a escuridão parecia tão mais segura ali do lado dele, justo ele, seu sequestrador e carcereiro. Quão irônico isso poderia ser?

Em sua cabeça, parecia certo que não precisaria temê-las, ele não as deixaria lhe fazer nenhum mal, agora o porque dessa certeza ela não saberia explicar.

- Hades... -chamou baixinho, com medo de que ele já estivesse dormindo.

- Fale, pequena.

- Tenho medo do escuro. -comentou baixo, inocente, sentindo o sono se aproximar. Quem diria que ele poderia lhe passar segurança? Bocejou e se acomodou melhor nos travesseiros.

Demorou algum tempo para ela retornar a falar, tempo suficiente para imaginar estar dormindo, pelo silêncio que recaiu o ambiente. Porém, logo ela retornou a falar com uma voz mais sonolenta e seus dizeres o chocaram levemente.

Por um momento as palavras dela não processavam direito dentro de sua mente. Medo do escuro? Não podia ser verdade. Desde que a aprisionara em seu castelo, não demonstrou isso... bem, apesar que sempre quando a deixava no quarto, ela já estava dormindo profundamente... e sempre havia uma vela acesa na cabeceira de sua cama. Sem contar que explicava alguns fatos intrigantes que ocorreram durante os dias de seu cativeiro.

- Porque não me falou desde o começo? Deixaria algum castiçal aceso em seus aposentos. Se isso não lhe deixa dormir esta noite, eu deixarei um aceso para confortá-la na cabeceira.

Não, não deixaria um castiçal aceso no quarto dela, era no dele. Estava ali, permaneceria ali pelo resto da noite. Só não virava o corpo para abraçá-la de modo quase obsessivo, pois perderia a cabeça com facilidade.

- Não precisa... -bocejou, fechando os olhos e se aconchegando ainda mais perto dele.

Frio e escuro. Como alguém poderia gostar do Submundo? - puxou as cobertas até o queixo.

-Já tenho um castiçal aceso hoje. - abriu um sorrisinho que duvidava que alguém conseguisse ver naquele breu.

Contraiu uma sobrancelha com aquela resposta estranha. Abriu os olhos, apenas para ter certeza de que não esquecera nada aceso. Que castiçal ela estava vendo? Até ele, que enxergava no escuro, sabia que não havia qualquer luz no ambiente - apesar de ser diferente uma visão na claridade e outra no escuro.

- Não tem, Perséfone, está tudo escuro. - respondeu de modo lógico, percebendo-a se acomodar cada vez melhor em suas costas, fazendo-o segurar com mais firmeza o travesseiro e retornar a fechar os olhos.

Ela estaria ganhando a habilidade de ver no escuro e confundia com a claridade de um castiçal?

- Não tem, Perséfone, está tudo escuro.

Ah, Hades sempre tão literal. -revirou os olhos e conteve um risinho inoportuno.

- Te... nho... voc... -bocejou, cansada. - você... - disse, puxando um dos travesseiros contra o peito e o abraçando. O dia tinha sido realmente longo, cansativo e seu corpo estava dolorido, implorando por descanso.

Será que sempre teria que explicar o obvio pra ele? Não estava claro que nessa noite, assim como o castiçal afasta as sombras, Hades estava afastando seus medos e lhe mantendo aquecida? Caramba, pra um cara eterno e um dos três deuses maiores ele era bem limitado. Bocejou de novo. Ou será que era seu sono que já não estava deixando ser bastante clara?

As vezes dizia coisas tão bobas quando estava com sono...

Não chegou a uma conclusão de verdade. Ajeitou as cobertas mais uma vez e caiu em sono pesado, embolada entre os travesseiros.

- Te... nho... voc... - ouviu-a bocejar - você...

Ficou em completo silêncio. Ela não disse mais nada e percebeu que já dormia, deixando-o cheio de perguntas e dúvidas. Como sempre faziam. Porque todos gostavam de falar frases sem qualquer sentido visível e depois deixá-lo com a mente confusa?

Eu? Castiçal? Não sou Hélios ou Apollo para ficar brilhando igual sol por aí. Pelo contrário, a claridade maior que possuo é as lavas que atravessam o Tártaro.

Passou algum tempo, ainda tentando decifrar o que ela queria dizer, até desistir, com um suspiro. Ajeitou-se para dormir. Poderia pensar sobre aquele pequeno enigma no dia seguinte.

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Fora um custo conseguir fazê-la adormecer... quando conseguiu, Perséfone dormiu muito mal a noite inteira, remexendo-se e resmungando sem parar todo o tipo de coisa. Aparentemente parecia se digladiar com um conflito interno intenso que o deixava preocupado. Permaneceu acordado durante todo esse período, sem ter ideia de como poderia ajudá-la.

Como fazia todas as manhãs, no mesmo horário, a chamou com um sussurro o característico "Hora de acordar, Perséfone". Tudo perfeitamente sistemático, como se naquele dia não fosse acontecer nada de diferente. Porém, apesar de saber que ela tinha acordado, ela permaneceu de olhos fechados fingindo continuar a dormir. Não queria ir...

Repetiu o gesto, fazendo-a ceder. Abriu os olhos que pareciam mais opacos, menos vivos, demonstrando um desânimo e uma tristeza profunda, enquanto ajeitava o cabelo atrás da orelha. Já podia prever que seria uma longa e silenciosa manhã...

Suas previsões para aquilo não pareciam ter falhado. Lentamente, ela rumou para o banheiro onde demorou mais do que o natural. Tudo, naquele instante, foi feito com uma lentidão não-característica. O banho, o enxugar, o trocar, o recolher de seus poucos presentes do quarto... Tudo extremamente lento...

- Vamos. - falou, assim que a viu pronta, mas ela abraçou seus presentes fortemente enquanto lhe encarava de modo estranho, como se tivesse lhe agredido, antes de abaixar a cabeça, submissa.

- Deixe-me despedir das flores. - foi tudo o que falou, fazendo-o suspirar.

Fez um sinal positivo. Percorreu o castelo inteiro enquanto a via se despedir de cada flor que tinha espalhado pelo castelo, até chegar ao jardim. Já tinha percebido que aqueles longos meses seriam uma tortura sem fim, enquanto virava cada esquina e se deparando com vasos floridos. Com os adornos inúteis que, naquele momento, tornavam os aposentos tão vivos.

Finalmente, após todo esse ritual torturante, pudera levá-la.

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